A cadeirada e a falha da política – Artigo Edson Lau

Por Edson Lau Filho

A cadeirada de Datena em Pablo Marçal no debate da TV Cultura entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, transcendeu o absurdo e trouxe à tona uma questão mais profunda: a falha da política. Esse episódio simboliza a perda de controle sobre os instintos que a civilização, e especialmente a política e suas instituições, deveriam moderar.

A agressão de Datena, por um lado, e a verborragia provocativa de Marçal, por outro, ilustram como o processo político pode atingir a profundidade de uma poça d´água quando faltam limites claros entre o debate civilizado e a brutalidade.

A ideia de que a política é uma sublimação da guerra remonta à clássica formulação de Carl von Clausewitz: “A guerra é a continuação da política por outros meios.” Na verdade, a política moderna se constrói sobre a premissa de que o conflito, inerente à vida em sociedade, pode ser mediado pela palavra, pelas regras, leis e instituições, e não mais pela violência.

A política é de fato um espaço de disputa pelo poder, mas ao invés de um campo de batalhas físicas, deve ser o espaço onde os impulsos agressivos são sublimados, transformando-se em disputas discursivas, debates e eleições. No entanto a cena de Datena, não mais apresentador, mas agressor, é um claro exemplo de quando a política falha nessa função, retornando assim, ao estado de natureza hobbesiano, onde a força bruta substitui a razão.

Marçal, com sua verborragia desmedida e provocativa, cumpriu o papel de incendiário no debate e chegou aonde queria: colocar-se no papel de vítima. Com uma retórica agressiva e cheia de ataques, ele transformou o debate político em um ringue verbal, acirrando os ânimos a tal ponto que seu adversário explodiu.

Marçal é um produto do espetáculo político contemporâneo, onde a performance direcionada às plataformas de mídias sociais, a fim de gerar cortes e likes, que, nesta lógica, valem mais que o conteúdo.

O episódio da cadeirada, protagonizado por dois outsiders, desacostumados às regras e ritos usuais do jogo político, também nos força a uma reflexão sobre democracia tupiniquim em tempos recentes. O desprezo pelas regras, pelas instituições e pelo debate civilizado reflete o ambiente político tensionado, em especial, desde a eleição de 2018.

Enquanto Bolsonaro construiu sua carreira explorando o ressentimento, a violência e o espantalho do comunismo, o PT, em sua retórica, alimentada antes mesmo de 2018, do “nós contra eles” e da tentativa de empurrar a quaisquer de seus adversários a pecha de fascista, também contribuiu para esse cenário. Esta dinâmica cada vez mais escala o nível do tom, e nos lega uma atmosfera onde o respeito institucional e às regras da convivência democrática, são ignorados em favor do confronto e da destruição dos adversários.

O patrimônio moral que deveria guiar a política brasileira tem sido constantemente dilapidado pela irresponsabilidade de líderes que confundem firmeza com violência, confronto com destruição e tratam adversários por inimigos.

Ao falhar, a política fica cada vez mais longe de ser a sublimação da guerra, parece mais próxima de um campo de batalha sem regras, onde a violência é a linguagem dominante. Por isso reafirmo: é hora de os verdadeiros democratas promoverem reconexão com os anseios da população e de dar respostas concretas, ou então, a política será colonizada, ainda mais, pela lógica da economia da atenção, em que o like vale mais que o conteúdo.