Na história estudam-se processos, tanto os de continuidade, que chamamos de longa duração, quanto os de descontinuidade: as mudanças. Quando a descontinuidade é abrupta, em algumas situações é a chamada revolução, enquanto em outros casos, dependendo do contexto, golpe. 15 de novembro de 1889 marca uma mudança no Brasil, o regime de governo deixou de ser um Império para ter a República como modelo. Mas para chegar lá foram anos de processo e com o peso de alguns fatores fundamentais.
O primeiro fator começou em 1864, com a Guerra do Paraguai, o maior conflito militar já ocorrido na América do Sul. Para se ter uma ideia, quase quatrocentas mil vidas foram ceifadas, sendo cerca de 300 mil do lado paraguaio e 70 mil dos aliados (Brasil, Argentina e Uruguai). Os registros históricos mostram que o Brasil não estava preparado para um conflito que tomou aquelas proporções. A farda e as tendas eram inapropriadas, não suportavam o frio do sul. O abastecimento de comida era lento, as tropas passavam fome e as condições de saúde eram precárias.
A guerra durou mais que o esperado e as perdas foram maiores do que se imaginavam, fragilizando, assim, o Império, inclusive junto à opinião pública. Assim, com o fim da guerra, a caserna começa a se politizar e o baixo oficialato a fomentar ideias republicanas. O ideário republicano se propagou cada vez mais, em ainda em 1870 dissidentes do Partido Liberal, liderados por Joaquim Saldanha Marinho publicam o Manifesto Republicano. Em abril de 1873 aconteceu a Convenção de Itu, a primeira convenção republicana do Brasil, tendo o então deputado Prudente de Moraes como grande expoente.
Outro fator, quiçá o mais importante, foi a abolição da escravidão. Esta luta já acontecia desde o fim do Século XVII, mas o fato é que a pressão interna se tornou maior após 1863 com o fim da escravidão nos Estados Unidos. Foi quando o movimento abolicionista ganhou tração, com destaque para a intensa atuação de membros muito influentes, como André Rebouças, José do Patrocínio, Luiz Gama e Joaquim Nabuco.
Em 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, mas a forma descontentou antigos aliados: proprietários rurais paulistas, que não foram indenizados, pela perda do “investimento” com o fim da escravidão. O Império perdeu a sustentação da Igreja após a Questão Religiosa, somando-se, assim, a falta de apoio dos ricos e influentes paulistas e a caserna em ebulição, o resultado foi uma panela de pressão após o Baile da Ilha Fiscal.
No dia 10 de novembro, em sua casa, Benjamim Constant se reuniu com Francisco Glicério e Campos Salles, o anfitrião ficou com a missão de convencer o líder militar e herói da Guerra do Paraguai, Marechal Deodoro da Fonseca, a aderir o movimento. O convencimento aconteceu, mas depois de muita boataria (fake news) que envolviam sua prisão ou o risco de conflitos.
O Marechal, mesmo doente, subiu em seu cavalo e saudou a tropa. Muito diferente do famoso quadro de Benedito Calixto, o fato é que não houve tiros de canhão, agitação ou um brado a plenos pulmões de Deodoro, até porque estava acometido com uma forte falta de ar.
Aristides Lobo, jornalista e político republicano, em artigo escrito no próprio dia 15, disse que o povo assistiu tudo “bestializado”, pensando ser uma parada militar. Lobo afirmou que não havia civis, cuja colaboração foi “quase nula”, o movimento foi militar, o governo foi militar. Em suma, foi a primeira quartelada tupiniquim que promoveu uma descontinuidade abrupta no processo histórico, um golpe. Assim fez-se a República no Brasil.